Mesmo com cidadania italiana, Zambelli pode ser extraditada do país europeu, dizem especialistas
Outra possibilidade prevista em tratado é que a sentença contra a deputada bolsonarista seja cumprida em uma prisão da Itália
Alvo de um mandado de prisão preventiva expedido pelo STF, a deputada federal Carla Zambelli (PL), que se encontra na Flórida, nos Estados Unidos, disse planejar ir até a Itália.
Na avaliação do ministro do STF Alexandre de Moraes, a viagem faz parte de uma tentativa da parlamentar, condenada a uma pena de 10 anos de prisão, de "se furtar à aplicação da lei penal".
Segundo Zambelli, por ter cidadania italiana, ela seria "intocável" uma vez no país. A legislação do país europeu, porém, ite a possibilidade de extradição de nacionais.
— Eu percebo que nós não temos mais justiça no Brasil, eu tenho cidadania italiana e eu nunca escondi. Como cidadã italiana, eu sou intocável na Itália. Ele (Alexandre de Moraes) não pode me extraditar de um país que eu sou cidadã — disse Zambelli em uma entrevista ao canal CNN Brasil.
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O artigo 26 da constituição italiana, no entanto, diz ser possível a extradição de nacionais, quando prevista expressamente em convenções internacionais. Assinado em 1989, o Tratado de Extradição entre Brasil e a Itália permite essa possibilidade, ainda que a trate como facultativa, cabendo ao país europeu optar ou não pela extradição.
— O fato da pessoa ser nacional possibilita a recusa, mas eles não tem o mesmo obstáculo constitucional que nós — explica o procurador e professor de Processo Penal da USP Andrey Borges de Mendonça, referindo-se à norma brasileira que proíbe a extradição de nacionais condenados no exterior.
Segundo Mendonça, ainda que a Itália venha a negar a extradição de Zambelli, ela deverá cumprir a pena no exterior por força das previsões do acordo de 1989.
O procedimento seria o inverso do ocorrido com o ex-jogador de futebol Robinho, condenado à pena de nove anos de prisão por estupro pela Justiça italiana.
Em 2024, o Superior Tribunal de Justiça homologou a sentença estrangeira contra o atleta, que começou a cumprir pena na Penitenciária II de Tremembé, em São Paulo.
— Se o país falar 'não vou extraditar', o Brasil transfere a sentença para lá. Impunidade certamente não vai acontecer. Ela vai ser extraditada ou será feita a homologação da sentença — explica o professor.
Um precedente é o caso do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, condenado a 12 anos e sete meses de prisão por envolvimento no escândalo do mensalão pelos crimes de corrupção iva, lavagem de dinheiro e peculato.
Ele fugiu do Brasil em 2013, com o aporte do irmão, mas acabou localizado e preso na Itália pela Interpol na cidade de Maranello, no norte do país. Em seguida, o Brasil pediu a extradição dele, que tinha dupla cidadania:
— Todo mundo dizia na época que ele não poderia ser extraditado da Itália para o Brasil pois tinha cidadania dupla. Na verdade, estudando a legislação italiana e o histórico da Itália com países, vimos, sim, que era possível — disse o professor e procurador Vladimir Aras, em um vídeo publicado no Instagram nesta quarta-feira, no qual comenta os casos de Zambelli e Pizzolato.
Segundo Aras, o argumento da defesa do ex-diretor do Banco do Brasil se baseava na situação do sistema carcerário brasileiro. Na primeira instância, a solicitação de extradição foi negada pela Corte de Apelação de Bolonha. Mas o Brasil, assim como o Ministério Público da Itália, recorreu. Em fevereiro de 2015, a Corte de Cassação de Roma concedeu a extradição.
— O maior obstáculo foi a questão dos direitos humanos nas prisões. A Itália está submetida às normas da União Europeia. Se ela extraditar para um país que não respeita os direitos humanos, pode ser condenada na Corte Europeia — comenta Andrey Mendonça.
Deputado italiano pede extradição
Nesta quarta-feira, o deputado italiano Angelo Bonelli, do partido Europa Verde, apresentou um ofício formal de interpelação aos ministros dos Negócios Estrangeiros e Cooperação Internacional da Itália, no qual solicita “medidas urgentes” para impedir que o país conceda refúgio a Zambelli.
Ao longo do documento, o deputado Angelo Bonelli detalha os crimes atribuídos à deputada brasileira, que incluem a “propagação de notícias falsas”, a "invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça — com o objetivo de inserir documentos falsos, entre os quais um mandado de prisão contra o juiz da Suprema Corte", em referência ao caso que envolve Alexandre de Moraes — e ainda “perseguição armada”, episódio em que Zambelli sacou uma arma de fogo e apontou para um homem no meio da rua nos Jardins, área nobre de São Paulo.
No texto, Bonelli faz referência ao tratado de cooperação entre Brasil e Itália, que estabelece os procedimentos para a extradição de pessoas entre os países.
“Quais medidas urgentes pretendem adotar, cada um no âmbito de suas competências, para garantir o cumprimento das disposições, no caso de Carla Zambelli, previstas na Lei nº 144/1991, que rege os procedimentos de extradição entre Itália e Brasil, colaborando desde já com a Interpol”, questiona o deputado aos ministros.
O parlamentar ainda sugere uma alteração na lei italiana, para serem revogadas a cidadania daqueles condenados por crimes de golpe ou tentativa de golpe, crimes contra a humanidade, incitação à subversão violenta da ordem econômica ou social do Estado, ou à supressão violenta da ordem política e jurídica do Estado.
Bonelli e Bolsonaro
Em janeiro de 2023, Angelo Bonelli pediu, durante sessão na Câmara para que o governo do país não concedesse cidadania ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
— Há rumores da imprensa brasileira de que o Jair Bolsonaro, que está atualmente na Flórida, solicitou cidadania italiana. Você sabia que os filhos de Bolsonaro também solicitaram cidadania? Isso seria um grande problema para a república italiana porque diante dos acontecimentos não pode haver incerteza de não dar a cidadania italiana à família Bolsonaro, sobre quem tramitam processos judiciais na Justiça brasileira — disse o parlamentar à época.
Em sua fala na Casa Legislativa, Bonelli fez referência ainda aos atos terroristas que vandalizaram as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em 8 de janeiro daquele ano, em Brasília:
— O governo italiano deve ser claro. Sem cidadania para os filhos de Bolsonaro e para o ex-presidente. Sem cidadania para os golpistas.
Em entrevista a Rai Radio 1, à época, o ministro Antonio Tajani negou que o ex-presidente brasileiro tenha dado início ao processo para obter a segunda cidadania:
— O ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro nunca pediu a cidadania italiana, e também existem as leis. Há pessoas que têm direito a solicitá-la, mas ele não a pediu.