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STF

Após histórico de ataques, réus da trama golpista mudam de tom com recuos e desculpas ao depor

Movimentação busca distanciamento das condutas apontadas pela Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República

Os depoimentos prestados no Supremo Tribunal Federal ( STF) pelos réus investigados por uma suposta trama golpista contra o Estado Democrático de Direito registraram uma inflexão no discurso até então combativo adotado pelo entorno de Jair Bolsonaro (PL). As oitivas na Primeira Turma da Corte foram marcadas por recuos retóricos e até pedidos de desculpas, em uma busca por distanciamento das condutas apontadas pela Polícia Federal (PF) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

O episódio mais emblemático partiu do próprio ex-presidente. Durante seu interrogatório, Bolsonaro pediu desculpas ao ministro Alexandre de Moraes por declarações feitas em uma reunião ministerial ocorrida em 5 de julho de 2022, quando sugeriu que tanto ele quanto os colegas de STF Edson Fachin e Luís Roberto Barroso teriam recebido propina para defender a segurança das urnas eletrônicas e fraudar as eleições. O vídeo do encontro, tornado público durante as investigações, embasou a interpelação direta feita por Moraes ao ex-presidente sobre a natureza das acusações.

 

— Não tenho indício nenhum, senhor ministro. Era uma reunião para não ser gravada, foi um desabafo, uma retórica que usei. Então, me desculpe. Não tive intenção de acusar de desvio de conduta os três ministros — respondeu Bolsonaro.

Em outro gesto que evidenciou a tentativa de se descolar do tom beligerante que marcou seu governo, Bolsonaro ainda comentou:

— Sempre carreguei no linguajar. Tento me controlar, tenho melhorado bastante meu vocabulário. Acho que com 70 anos é difícil mudar muita coisa... Peço desculpas se ofendi alguém.

O ex-presidente também lamentou “ilações” ocorridas durante as reuniões ministeriais nas quais teriam sido discutidas uma suposta minuta golpista:

— As ilações sobre o que estava sendo tratado lá dentro corriam soltas. A gente lamenta as ilações. Mas, em nenhum momento, eu, o ministro da Defesa e os comandantes das Forças sequer pensamos em fazer algo ao arrepio da lei e da Constituição.

Em um terceiro momento, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, citou ataques de Bolsonaro a ministros do STF. O ex-presidente disse, então, que seu temperamento “explosivo” é conhecido desde que ele atuava no Congresso como deputado federal:

— Respondi a uns 20 processos de cassação lá dentro. (Sou) um pouco explosivo. Muitas vezes errei — itiu.

Elogios a Moraes
Logo após o depoimento de Bolsonaro, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira também se retratou por falas sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) feitas durante a mesma reunião de julho de 2022:

— Quero me desculpar publicamente por ter feito as declarações naquele dia. Eu não tinha nem três meses à frente do Ministério da Defesa, vinha do Exército. E coincidentemente naquela reunião usei palavras completamente inadequadas para tratar do trabalho do TSE — afirmou. — Mais ainda olhando para Vossa Excelência (Moraes), porque trabalhamos juntos nesse processo. Quando vi esse vídeo posteriormente, eu não acreditei. A sua assunção ao TSE facilitou o nosso trabalho.

Em 2022, em tom distinto, Nogueira havia sustentado que a Comissão de Transparência Eleitoral doTSE era “para inglês ver”:

— Nunca essa comissão sentou numa mesa e discutiu uma proposta. É retórica, discurso e ataque à democracia.

Outros réus também adotaram uma postura mais comedida ao depor. Pela manhã, o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, negou envolvimento com planos golpistas e refutou críticas ao sistema eleitoral. Ele também afirmou não ter oferecido tropas para respaldar qualquer ruptura institucional e chegou a lamentar os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023:

— Foi algo muito, muito triste. A nação brasileira realmente não precisava disso — disse Garnier.

O ex-ministro da Justiça Anderson Torres foi mais um a recuar em relação a posicionamentos anteriores. Questionado por Moraes sobre mensagens em que mencionava possíveis indícios de hackeamento das urnas, descartou haver evidências nesse sentido:

— No âmbito do Ministério da Justiça, sem considerar a Polícia Federal, não há nenhum setor que trabalhe com esse tipo de investigação. Tecnicamente, nunca recebi qualquer informação apontando fraude nas urnas — declarou o ex-ministro.

Segundo a PF, Torres pediu empenho em questionamentos à lisura do processo eleitoral durante uma reunião ministerial. “Quero que cada um pense no que pode fazer previamente, porque todos vão se f...”, disse o então ministro, chegando a usar um palavrão.

Segundo a depor, ainda anteontem, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), também foi cauteloso. Questionado sobre suas manifestações públicas contra as urnas eletrônicas, declarou que todas foram de cunho privado.

“Por tudo que tenho pesquisado, mantenho total certeza de que houve fraude nas eleições de 2018, com vitória do senhor (Bolsonaro) no primeiro turno. Todavia, ocorrida na alteração de votos”, diz trecho de documento encontrado pela PF no e-mail de Ramagem.

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