Duplo descomo: quando o discurso perde eco e a política muda de plataforma
A pesquisa Latam Pulse Atlas/Bloomberg (maio / 2025, 4 399 entrevistas) revela um descomo profundo entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o eleitorado brasileiro. Corrupção (59,5 %), criminalidade (50,2 %) e economia + inflação (29,4 %) formam o pódio das preocupações nacionais, enquanto as bandeiras de Lula - combate ao “extremismo”, crítica ao “conservadorismo” e desigualdade - aparecem apenas em 7º, 8º e 9º lugares, todas abaixo de 18 %.
Neste levantamento de maio do Latam Pulse Atlas & Bloomberg, 45,5 % dos brasileiros aprovam o desempenho de Lula, enquanto 53,7 % o reprovam, deixando saldo negativo de -8,2 pontos. Na rodada anterior do mesmo instituto (feita em março), a balança ainda estava menos desfavorável: 48,9 % de aprovação versus 50,1 % de reprovação (-1,2 p.p.). Em apenas dois meses, portanto, o presidente perdeu 3,4 p.p. de apoio e ganhou 3,6 p.p. de rejeição, acelerando uma curva descendente que já vinha desde o início do ano.
O efeito é devastador: 72 % de desaprovação entre evangélicos, 69,8 % na faixa de 35 a 44 anos, 63,8 % entre quem tem ensino médio e mais de 60 % nas regiões Centro-Oeste, Norte e Sul. Segmentos centrais para quem tem pretensão de se manter na presidência.
Essa rejeição estrutural ganha ainda mais força na arena digital. Lula aprendeu política no palanque; hoje a disputa transcorre em TikTok, Reels e grupos de WhatsApp, onde sete segundos determinam narrativas. O episódio de 28 de maio, em Cachoeira dos Índios (PB) - quando afirmou que “Deus deixou o sertão sem água porque sabia que eu ia ser presidente” - tornou-se ícone do problema: a fala gerou aplausos dos seus seguidores presentes. Por outro lado, viralizou negativamente nas redes, principalmente, em perfis evangélicos, ampliando sua desaprovação. O “comício” acabou, mas a frase continuará circulando por muito tempo, para milhões de pessoas.
O presidente nitidamente não sabe como reagir ao novo ambiente. Suas receitas de outrora - carreatas, discursos improvisados e chavões ideológicos - produzem mais dano que ganho, pois, cada deslize, no Brasil ou no exterior, vira combustível para a oposição online.
Enquanto isso, pela mesma pesquisa, se consolida um rival competitivo que domina a lógica dos algoritmos: Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo. No cenário de segundo turno testado pelo levantamento, Tarcísio já lidera Lula por 48,9 % a 45,1 %, depois de subir quase dez pontos em série histórica curta. Fato que pode transformá-lo em candidato independentemente da vontade de Bolsonaro.
Para esquerda, a probabilidade de um cenário de derrota aumenta porque não há sucessor natural de Lula. Fernando Haddad a cada dia, se inviabiliza mais. A crise atual do aumento do IOF pode afastá-lo de vez de uma disputa. O tempo para uma transição segura se esgota.
Portanto, as causas para a queda da popularidade de Lula são estruturais: discurso ultraado, pautas impopulares e incapacidade de se adaptar aos novos meios de se fazer campanha.
Assim, Lula corre o risco de encerrar o mandato isolado, sem herdeiro viável e sem discurso capaz de reconquistar o país - vencido por um país que mudou de frequência enquanto o líder anacrônico continua falando numa rádio, provavelmente AM, que quase ninguém mais escuta.
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