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OPINIÃO

Como resistir diante de crises humanitárias e perdas de humanistas?

Toda vez que lideranças de pensamento humanista seguem para outro plano, sinto que, bem mais que lamentar as perdas em si, necessito considerar o tamanho das faltas que farão. Faço esse destaque pelo quanto tudo isso representa, neste mundo de tanta ignorância e estupidez, onde a promoção da desigualdade entre as pessoas parece mesmo algo normalizado. E são atitudes praticadas das mais variadas formas e meios, em total desrespeito à condição de tratarmos com a devida consideração a vida humana.

Para aumentar a dose de preocupações, o danado foi-se deparar, em tão curto espaço de tempo, depois do Papa e de Pepe, com outra valiosa perda. Agora, de um artista brasileiro que foi, simplesmente, genial no seu ofício de fotografar - Sebastião Salgado. De fato, Francisco, Pepe e Tião foram seres iluminados, com uma evidência comum de estarem, na fronteira dos seus respectivos conhecimentos, sempre com olhares fixos contrários às desigualades sociais. Agora estão eternizados,  pelas suas especificas formações humanistas. Atenho-me, aqui, ao talento da fotografia de Salgado, uma atividade exercida por lentes nada convencionais, que revelavam outras visões de realidade. 

Sebastião Salgado não só tirava fotos. Simplesmente, fazia. Isso pelo seu embasamento técnico na interpretação da economia e sociedade. Daí, considero o fazer das suas fotos, algo bem construído por leituras contextualizadas, sustentadas em pilares de conhecimentos científicos. Desse modo, sua obra era mais do que a fotografia jornalística que lhe guiava. Afinal, seus trabalhos fotográficos sempre transmitiram e traduziram vidas, num realismo muito próximo do reconhecido na literatura. E, também, no audiovisual. 

A propósito, estive, recentemente, numa das suas exposições, justo aquela que tratou do garimpo de Serra Pelada. Tal e qual um ensaio escrito, seja pelo teor sociológico ou econômico, cada foto exerceu sobre mim esse sentimento com jeito de literatura, justo pela transmissão de um enredo que tem lá sua escrita  Ademais, tive ainda a percepção de também ar esse realismo literário num movimento implícito e subjetivo. Isso me pareceu algo como uma espécie de filme documentário. Pois bem, essas extrapolações serviram para mim como uma garantia de genialidade criativa muito própria. Enfim, uma evidência de transmitir numa obra, mesmo que de modo sutil, mais de uma arte embutida. Genial.

Com todo esse corolário, que tem no seu núcleo o papel exercido pela relações humanas, creio mesmo que Tião se juntou a um seleto grupo de humanistas, que provou seu valor perante a cena mundial, em ofícios próprios. A lamentar que, em tão pouco lastro de tempo, ele termina por se juntar com duas outras lideranças de estirpe similar: o Papa Franciso e Pepe Mujica. Sem o trio, a certeza de uma orfandade no humanismo, que ficou ainda mais frágil.

No impulso dessa sentimento geral de perdas, a gente desafia as dores do momento e até abusa nas reflexões sobre questionamentos e contestações. É aquele rasgo impetuoso de não se entender o porquê dessas figuras não serem eternas em vida. Nesse contexto, podem valer possíveis lições divinas, nas quais os gênios são criados para servirem propósitos muito especisis. O mistério está no simples fato de que a morte parece levar com eles os seus respectivos moldes. Talvez para ficar na lembrança eterna as virtudes tratadas na intimidade entre o criador e suas criaturas. Por maiores que sejam eventuais contestações dos simples mortais. 

A dureza está em resistir às crises humanitárias deste mundo maluco, sem estoque ou reservas de humanistas. Por isso mesmo, saudemos a eternidade das memórias de Francisco, Pepe e Tião.

Amém. 

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