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OPINIÃO

Caçadoras de prosperidade

Quando Paul de Kruif publicou seu livro “Caçadores de Micróbios”, em 1926, não imaginava que 40 anos depois, ele seria o motor da inspiração de uma garotinha de oito anos, moradora na pequena Itapetininga, interior de São Paulo. Aos oito anos, Mariangela Hungria da Cunha já exibia o traço mais marcante de sua personalidade: a curiosidade. E não era qualquer curiosidade, ela tinha uma imensa vontade de entender como a vida funcionava. “Vou ser microbióloga”, profetizou Mariangela logo depois de ler o livro dado de presente pela avó.

A menina viveu em Itapetininga até os 10 anos, quando mudou para São Paulo e foi estudar no Colégio Rio Branco. O livro de Paul de Kruif continuava sendo sua inspiração. Nele, ela mergulhava nas descobertas de cientistas que mudaram o mundo, como Louis Pasteur, com a vacina contra a raiva; Anton van Leeuwenhoek, construtor de microscópios e pai da microbiologia; Roberto Koch, primeiro a relacionar micróbios e doenças; ou Paul Ehrlich, pioneiro no tratamento da sífilis.

Mariangela enveredou com tudo pela microbiologia. Saiu do Rio Branco para a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP, e no segundo ano da faculdade já era mãe. Suas pesquisas são importantes não só para o Brasil, onde hoje se pratica a melhor agricultura do mundo, mas para todo o planeta. Ela conseguiu fazer com que os micróbios assem a trabalhar para os produtores rurais fixando o nitrogênio no solo. Mariangela fez com que o uso de defensivos e pesticidas fossem drasticamente reduzidos, o que é bom para o meio ambiente e ajuda nossa agricultura a ser cada vez mais sustentável.

Pesquisadora da Embrapa, referência mundial na produção de conhecimento e inovação para a agropecuária, depois de rodar o mundo, ando pelas principais universidades do Ocidente, ela teve seu trabalho reconhecido e recebeu o World Food Prize 2025, espécie de Nobel da Agricultura, em 13 de maio. Não é pouca coisa. Vale mais que um Oscar ou uma Palma de Ouro.

O que Mariangela fez para combater a fome no mundo, permitindo a produção de comida cada vez mais saudável e barata, é ciência, mas também tem muito da arte de saber o que fazer e como fazer para mudar e melhorar o mundo, igualzinho às personagens do livro de Paul de Kruif.

Mariangela vale 1.000 manchetes, dezenas de documentários, mas, num país onde quem produz comida é rotulado de fascista, inimigo dos pobres e explorador da miséria alheia e acusado de enriquecer com dinheiro público, feitos como o desta cientista brasileira acabam na vala comum das notícias sem importância. Ela merecia uma manifestação pública do governo, igual à recebida por artistas sovados pela Lei Rouanet ou atletas medalhistas. a a nítida impressão de que quem está no governo não tem a menor ideia sobre a importância de uma Mariangela Hungria da Cunha.

Dias depois de Mariangela ter recebido seu prêmio e o reconhecimento mundial, outra mulher foi a Paris buscar um documento pelo qual o Brasil lutou durante décadas: a declaração da OMSA (Organização Mundial de Saúde Animal), considerando o país zona livre da febre aftosa. Lá estava Tereza Cristina, ex-ministra da Agricultura e senadora pelo PP do Mato Grosso do Sul, colhendo os frutos de seu intenso trabalho. O ministro da Agricultura Carlos Fávaro não apareceu.

Ganhar uma certificação dessas é algo importantíssimo para o maior exportador de proteína animal do planeta. A aftosa não contamina apenas bovinos, mas também todos os animais de casco bipartido, como cabras, ovelhas e porcos.

Poucos comemoraram aqui no Brasil, com exceção da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), que bateu bumbo junto com a Frente Parlamentar da Agropecuária e o Instituto Pensar Agro.

Tereza é baixinha, invocada e cheia de energia. Incomodou meio mundo com sua inteligência e perseverança. Em 2020, um jornal europeu a chamou de “dama do veneno”, dando voz aos ambientalistas mercenários. Mas Tereza foi extremamente competente como ministra, comparável a outros grandes ex-ministros da Agricultura - como Roberto Rodrigues e Pratini de Moraes. Ela recebeu aquele certificado como quem ergue a Copa do Mundo.

Duas mulheres, cujos caminhos se cruzaram neste maio, mês de nome masculino dedicado à energia feminina de mães e noivas. Mariangela tratou de domesticar micróbios, fazendo com que eles trabalhassem a favor da prosperidade e da fartura. Tereza combateu o vírus da aftosa, tirando-o de circulação no país da carne de primeira.

Numa era onde a mediocridade é incensada dia sim e outro também, a história das caçadoras de prosperidade Mariangela e Tereza é um alento. Prova ainda estarem bem vivos e fortes o mérito, a perseverança e a inteligência.

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