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ORIENTE MÉDIO

Falece médico de Gaza que teve nove dos dez filhos mortos em ataque israelense

Esposa e filho de 11 anos gravemente ferido são os únicos sobreviventes da família

Um médico palestino cujos filhos foram mortos em um ataque aéreo israelense na Faixa de Gaza no último dia 23 de maio morreu em decorrência dos ferimentos sofridos no mesmo bombardeio, informaram as autoridades de saúde nesta segunda-feira.

Hamadi al-Najjar, de 40 anos, havia acabado de voltar para casa depois de deixar sua esposa, Alaa al-Najjar, no Hospital Nasser, onde ambos trabalhavam, quando sua casa foi atingida por um bombardeio. Nove dos dez filhos do casal morreram, e o décimo ficou gravemente ferido.

Hamdi foi internado com lesões no cérebro e ferimentos internos, mas não resistiu e morreu no sábado. Alaa e o filho de 11 anos, Adam — que continua hospitalizado — são os únicos sobreviventes da família. O filho mais velho tinha 12 anos e o mais novo, apenas seis meses.

O casal fundou um centro médico privado em Khan Younis, no sul de Gaza, do qual Hamdi era diretor. Seu irmão, Ali al-Najjar, o descreveu como um pai amoroso que atendia pacientes pobres gratuitamente. Graeme Groom, cirurgião britânico responsável por operar o filho sobrevivente, disse à BBC que era “cruel demais” imaginar Alaa, a matriarca da família que ou a vida cuidando de crianças como pediatra, pudesse perder quase todos os seus filhos de uma só vez.

— O braço esquerdo de Adam estava praticamente pendurado. Ele estava coberto de estilhaços e tinha vários cortes profundos — disse Groom. — Como ambos os pais são médicos, ele parecia estar entre os poucos privilegiados em Gaza, mas quando o colocamos na mesa de cirurgia, parecia muito mais jovem do que seus 11 anos.

Na quinta-feira, o governo da Itália ofereceu tratamento para Adam após seu tio relatar ao jornal italiano La Repubblica que o Hospital Nasser não tinha condições de cuidar do menino. Em comunicado, o Ministério das Relações Exteriores do país disse que “o governo italiano manifestou sua disposição em transferir o menino gravemente ferido para a Itália” e que estava avaliando a viabilidade da proposta.

Um vídeo compartilhado em maio pelo diretor do Ministério da Saúde palestino, Muneer Alboursh, mostrou corpos pequenos e queimados sendo retirados dos escombros. À AFP, um parente da família atingida suplicou a “todos os países, à comunidade internacional, ao povo, ao Hamas e a todas as facções” para que “tenham piedade” da população palestina, que está “exausta de deslocamentos e da fome”.

As Forças Armadas de Israel anunciaram que o incidente estava sob análise. O Exército israelense afirmou que “uma aeronave atingiu vários suspeitos identificados pelas forças do Estado judeu como atuando em um edifício próximo às tropas na área de Khan Younis, uma zona de combate perigosa que havia sido previamente evacuada de civis para sua proteção”, mas que “a alegação de danos a civis está sendo analisada”.

Crise humanitária
No domingo, pelo menos 31 pessoas morreram e mais de 170 ficaram feridas enquanto grandes multidões se dirigiam para receber alimentos em Gaza, disseram autoridades de saúde. Testemunhas afirmaram que as forças israelenses dispararam contra as multidões pouco antes do amanhecer, a cerca de um quilômetro de um ponto de distribuição de ajuda istrado por uma fundação apoiada por Israel.

O Exército israelense negou que suas forças tenham disparado contra civis próximos ou dentro do local, na cidade de Rafah, no sul de Gaza. Um oficial militar israelense que falou sob condição de anonimato disse à agência Associated Press que as tropas dispararam tiros de advertência contra “vários suspeitos que se aproximavam durante a madrugada”. Os militares também divulgaram imagens que mostrariam homens armados atirando contra civis que tentavam coletar ajuda.

“O Hamas está fazendo tudo ao seu alcance para impedir a distribuição bem-sucedida de alimentos em Gaza”, dizia o comunicado. Não foi possível verificar as imagens de maneira independente.

A Fundação Humanitária de Gaza — promovida por Israel e pelos EUA — afirmou em comunicado que entregou ajuda “sem incidentes” e divulgou um vídeo, também sem verificação independente, que mostraria pessoas coletando alimentos no local. A fundação negou relatos anteriores de caos e tiros em seus pontos de distribuição, que ficam em zonas militares israelenses onde a imprensa independente não tem o.

‘Armadilha mortal’
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) afirmou que seu hospital de campanha em Rafah recebeu 179 feridos, incluindo mulheres e crianças. Vinte e um chegaram mortos, a maioria com ferimentos por tiros ou estilhaços. Não estava claro se havia membros do Hamas entre os mortos no episódio, classificado pelo CICV como o maior em número de feridos por armas desde a instalação do hospital, há mais de um ano.

“A distribuição de ajuda virou uma armadilha mortal”, afirmou em comunicado Philippe Lazzarini, chefe da agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA). A maioria das vítimas foi atingida “na parte superior do corpo, incluindo cabeça, pescoço e peito”, disse Marwan al-Hams, do Ministério da Saúde no Hospital Nasser, para onde muitos foram levados a partir do hospital de campanha da Cruz Vermelha.

Um colega, o cirurgião Khaled al-Ser, disse que 150 feridos chegaram ao hospital, junto com 28 corpos. Mais tarde no domingo, projéteis de artilharia israelense atingiram tendas que abrigavam deslocados em Khan Younis, matando três pessoas e ferindo ao menos 30, segundo o Hospital Nasser. O Exército israelense disse que estava investigando.

A guerra começou quando militantes liderados pelo Hamas invadiram o sul de Israel em 7 de outubro de 2023, matando cerca de 1,2 mil pessoas, em sua maioria civis, e sequestrando 251. Ainda restam 58 reféns em cativeiro, cerca de um terço deles considerados vivos, após a libertação da maioria em acordos de cessar-fogo ou outros trâmites.

A campanha militar de Israel já matou mais de 54 mil pessoas em Gaza, controlada pelo Hamas, segundo o Ministério da Saúde local — a maioria mulheres e crianças. O número não diferencia civis de combatentes. A ofensiva destruiu vastas áreas, deslocou cerca de 90% da população e deixou os habitantes quase totalmente dependentes da ajuda externa.

Os esforços mais recentes para um cessar-fogo parecem ter fracassado no sábado, quando o Hamas afirmou ter solicitado emendas a uma proposta americana já aprovada por Israel — o que o enviado dos EUA considerou “inaceitável”. Os mediadores Catar e Egito disseram no domingo que continuam “esforços intensivos para superar as divergências” e esperam um “acordo rápido para um cessar-fogo temporário de 60 dias, com vistas a um cessar-fogo permanente na Faixa de Gaza”.

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