Eleito presidente, Lee Jae-myung herda Coreia do Sul polarizada e com questões urgentes a resolver
Novo líder sul-coreano já disse que poderá 'rastejar' para conseguir acordo com os EUA
"A responsabilidade do presidente é unir as pessoas. E as pessoas podem trabalhar juntas para superar a atual crise.”
Em seu discurso de vitória, pouco antes antes de ser confirmado o novo presidente da Coreia do Sul, Lee Jae-myung, candidato do Partido Democrático (Minju), dava o tom que espera imprimir nos próximos cinco anos: o da pacificação nacional. Foi o desfecho de uma campanha na qual não apenas derrotou o candidato do Partido do Poder Popular (PPP), Kim Moon-soo, por 48,8% a 42,1%, com 94,1% de urnas apuradas, mas teve diante de si um país envolto em turbulências presentes e desafios futuros.
A começar pelo trauma não superado da declaração de lei marcial por Yoon Suk-yeol, em dezembro do ano ado. Ali, o então presidente tentou prender políticos, inclusive de seu partido, o PPP, e fechar a Assembleia Nacional. Mesmo diante da ameaça de alguns soldados, os deputados entraram no plenário e derrubaram o decreto.
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Dias depois, eles aprovaram o impeachment de Yoon, confirmado pela Corte Constitucional em abril. Em uma coincidência histórica, Moon Jae-in, membro do Minju e presidente da Coreia do Sul entre 2017 e 2022, foi eleito também após um impeachment, o de Park Geun-hye, condenada por corrupção.Tal como naquele ano, o comparecimento foi elevado nesta terça-feira: 79,4%.
Mas o processo judicial, centrado na acusação de insurreição contra Yoon — crime que pode ser punido com a pena de morte — deve se arrastar até meados de dezembro. Até lá, muitos de seus numerosos apoiadores prometem realizar atos barulhentos, tal como o fazem desde o afastamento. Contudo, uma condenação a uma pena longa, como parece ser o mais provável, jogará seu legado em campo desconhecido.
Além da “sombra” de Yoon, Lee herda um país polarizado, mesmo com sua vitória contundente em números absolutos. A pesquisa de boca de urna conjunta das emissoras KBS, MBC e SBS apontou que os homens jovens, entre 20 e 30 anos, votaram em massa no PPP e em Lee Jun-seok, candidato do Partido da Reforma de 40 anos que concorreu com uma plataforma de rejeição à “política tradicional”.
Essa faixa foi crucial para o avanço, em 2022, não apenas de Yoon, mas de uma agenda conservadora, com toques de “cultura incel” e acenos ao trumpismo, que não deve desaparecer da noite para o dia. Ao mesmo tempo, o voto feminino, maciçamente favorável a Lee, deve lhe dar apoio em agendas progressistas, incluindo ações para reduzir a desigualdade de gênero e para punir com mais firmeza os crimes contra as mulheres
— Não se odeiem, e não entrem em confronto entre si — pediu Lee no discurso de vitória. — As pessoas não precisam odiar, tampouco odiar umas às outras.
Lee, que será empossado já na quarta-feira, precisará agir rápido para recolocar a economia sul-coreana nos eixos. Mesmo antes da declaração de lei marcial, o país enfrentava tempos difíceis, e o anúncio de Yoon só piorou o cenário. A bolsa de valores registrou fortes perdas, o won se desvalorizou e o PIB teve uma queda acima da esperada no primeiro trimestre de 2025.
— Devemos superar a guerra civil. Faremos o nosso melhor para reanimar a economia e restaurar os meios de subsistência das pessoas — prometeu o presidente eleito.
Enquanto os sul-coreanos votavam, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ( Ocde) reduziu em meio ponto percentual a previsão de crescimento da economia em 2025, de 1,5% para 1% — o Banco da Coreia deve anunciar uma redução similar em breve.
E há o fator Trump. A Coreia do Sul, assim como boa parte do mundo, foi alvo do tarifaço, e as autoridades de transição decidiram delegar ao novo presidente a tarefa de negociar um acordo com Washington. Durante a campanha, Lee declarou que essa é uma prioridade, e se disse disposto a deixar de lado o orgulho caso isso leve a termos favoráveis.
— É assim que os países poderosos operam, e precisamos superar isso. Qualquer humilhação ou pressão não diz respeito a mim pessoalmente, diz respeito a toda a nação. Se for necessário, eu me arrastarei por baixo das pernas [de Trump]. Qual é o problema? — disse Lee, em entrevista na véspera da eleição. — Se o presidente tiver que se curvar brevemente para que 52 milhões de pessoas possam se manter de pé, então é isso que deve ser feito.
Segundo o jornal Hankyoreh, ele conversará com Trump após sua posse, na quarta-feira, e as negociações tarifárias estarão no topo da agenda.
Outra prioridade é a Coreia do Norte. Em seu governo, o último presidente do Minju, Moon Jae-in, liderou uma aproximação com Pyongyang que incluiu a apresentação de grupos de k-pop na Coreia do Norte, reuniões com Kim Jong-un e uma declaração para reduzir as tensões na fronteira em 2018. Hoje, os norte-coreanos parecem ter abandonado os planos de reunificação, aram a tratar a Coreia do Sul como um “Estado hostil” e soam mais interessados nas ofertas e promessas vindas de Moscou. Sem contar o crescente arsenal nuclear.
— As duas Coreias vão se comunicar, vao cooperar e encontrar um caminho para a prosperidade comum — afirmou em seu discurso de vitória.
Ainda existe a expectativa de uma diplomacia baseada no pragmatismo com Japão, China e Estados Unidos, sem promessas de alinhamento automático com um ou outro lado: em suas declarações nas últimas semanas, ele repetiu algumas vezes que “não podemos colocar todos os nossos ovos em uma só cesta”.