Cozinheiro baleado durante festa junina no Santo Amaro, no Rio, segue internado com projétil alojado
Leurimar Souza, de 38 anos, foi atingido na clavícula enquanto aguardava a apresentação da quadrilha junina com a esposa
O cozinheiro Leurimar Rodrigues de Souza, de 38 anos, é uma das seis vítimas feridas por disparos de arma de fogo durante uma operação do Batalhão de Operações Especiais (Bope) na comunidade do Santo Amaro, na madrugada de sábado, enquanto acontecia uma festa junina. Ele segue internado no Hospital Municipal Souza Aguiar, com uma bala alojada na clavícula, segundo a direção da unidade. Na noite da sexta-feira, ele e a esposa aguardavam ansiosos a entrada da quadrilha junina, quando foram surpreendidos pelos tiros.
— Parecia cena de filme. Foi desesperador. Graças a Deus ele está aqui vivo comigo, mas e aquela mãe que perdeu o filho nesse absurdo? Não imagino a dor que ela está sentido — disse Leidiane Ferreira, esposa de Leurimar.
Moradores da comunidade, ela e o marido estavam se divertindo perto da quadra, onde a quadrilha junina do Santo Amaro se apresentaria. Segundo ela, assim que os disparos começaram, ela e o marido correram, mas percebeu que Lucimar havia sido atingido e caído no chão. Leidiane conta que, no momento da confusão, o cozinheiro foi ajudado por um PM e por moradores da comunidade, que o socorreram até a parte baixa do morro.
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— Só vi ele caído. Um absurdo! Pessoas inocentes se divertindo, a festa super familiar, e eles entram desse jeito. Graças a Deus meu marido está vivo — disse.
Segundo Leidiane, ela e o marido são moradores do Morro do Santo Amaro e têm uma filha de 13 anos. Leurimar trabalha há pelo menos dois anos como cozinheiro em um restaurante em Botafogo, na Zona Sul do Rio, e espera poder voltar ao trabalho o mais rápido possível. Ainda com a bala alojada na clavícula e utilizando um dreno, ele já consegue andar e se alimentar sozinho. A previsão é de que receba alta até terça-feira.
Além de Leurimar, Herus Guimarães Mendes, de 23 anos, foi baleado no abdômen e chegou a ser levado ao Hospital Glória D’Or, mas não resistiu aos ferimentos. Outras quatro pessoas também atingidas por disparos durante a operação foram atendidas e já receberam alta, segundo a direção do Hospital Municipal Souza Aguiar.
Entenda o caso
Na última sexta-feira, o Morro Santo Amaro, no Catete, Zona Sul do Rio, se preparava para uma noite de festa junina, com crianças e adolescentes vestidos de caipira se reunindo na quadra da comunidade. No entanto, a celebração foi interrompida por uma operação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), que gerou pânico entre os moradores e terminou com um jovem morto.
Herus Guimarães Mendes, de 23 anos, foi baleado no abdômen, chegou a ser levado ao Hospital Glória D’Or, mas não resistiu aos ferimentos. Outras cinco pessoas também foram feridas — uma delas segue internada no Hospital Municipal Souza Aguiar
"A quadrilha tinha acabado de fazer uma oração pedindo paz na entrada da comunidade. Quando desceram e se prepararam para entrar, já estavam todos no campo, vestidos para dançar. Vai me dizer que a polícia não viu as fantasias brilhando?", questiona Monica Guimarães Mendes, mãe de Herus, morto com um tiro no abdômen na madrugada de sábado.
Em vídeos que circulam nas redes sociais, crianças e adolescentes aparecem vestidos a caráter, dançando ao som de músicas típicas de São João, durante a festa na comunidade, que tinha as ruas enfeitadas com bandeirinhas coloridas.
A cena de celebração foi rapidamente substituída por vídeos que registram a correria e o barulho dos tiros durante uma operação do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e do Comando de Operações Especiais (COE).
Em um vídeo que circula nas redes sociais, é possível ver o momento em que o corpo de Herus Guimarães, de 23 anos, é carregado por moradores e policiais até um dos carros do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), no Morro Santo Amaro. Durante a ação, em meio ao choque da comunidade, um dos agentes tenta justificar: "Foi a bala do vagabundo, foi a bala do bandido".
A cena, assistida com espanto por moradores e crianças, é marcada por gritos de que Herus era trabalhador e apenas se "divertia" na festa. Ele estava sem camisa e vestia uma bermuda quando foi levado. Adolescentes vestidas com trajes típicos de quadrilha junina aparecem chorando ao presenciar o momento.
Uma mulher que acompanhou a retirada do corpo do jovem argumenta:
"Da última vez que eles (Bope) entraram, as crianças estavam vindo da escola. E agora de novo, mais uma vez, mais uma vez", diz a mulher.
A família de Herus relata, ainda, que os policiais agiram de forma truculenta, arrastando o rapaz ferido numa escada.
"O policial arrastou o meu filho. Ele estava com a lateral do rosto toda machucada, o nariz ferido. Simplesmente colocaram uma grade sobre ele para impedir que fosse socorrido e o arrastaram escada abaixo. O policial ainda gritou que meu filho era vigia", relatou Monica Guimarães Mendes, mãe de Herus Guimarães, que trabalhava como office boy em uma imobiliária e deixa um filho de dois anos.
A Polícia Militar informou que os agentes que aparecem no vídeo são policiais militares do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE). O governador do Rio, Cláudio Castro, determinou no domingo o afastamento imediato do coronel André Luiz de Souza Batista, comandante do Comando de Operações Especiais (COE), o coronel Aristheu Lopes, comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e 12 policiais do Bope que participaram da ação.
Secretário da PM ite erro do Bope e do COE
Segundo o secretário da Polícia Militar do Rio, coronel Marcelo de Menezes Nogueira, houve uma falha no planejamento da ação.
O oficial listou, nesta segunda-feira, os requisitos para uma ação emergencial, que, segundo as autoridades, foi a deflagrada no Santo Amaro após o recebimento de denúncia de que homens armados se reuniriam no local para fazer ataques contra bandidos rivais, e disse que "restou provado que não foram observados protocolos e procedimentos da corporação".
— Eu vou citar aqui alguns requisitos. Primeiro requisito: avaliação de risco. Que tipo de impacto a nossa operação vai causar naquela comunidade? Segundo requisito: princípio da oportunidade. O dia em que aquela operação vai ser realizada, o horário em que aquela operação vai ser realizada, se está havendo algum evento na comunidade. E o principal requisito: que é a preservação das vidas. O bem maior a ser protegido é a vida das pessoas. E a gente pode observar que esses requisitos não foram contemplados nessa operação emergencial — afirmou, em entrevista ao Bom Dia Rio, da TV Globo.