Kleber Mendonça Filho fala sobre vitória de "O Agente Secreto" em Cannes e expectativa pelo Oscar
Diretor pernambucano conquistou o prêmio de melhor direção no festival por filme gravado no Recife
O saldo de “O Agente Secreto” em Cannes não poderia ter sido mais positivo para Kleber Mendonça Filho. Seu quarto longa-metragem no festival deixou a Riviera sa com quatro prêmios, incluindo o de melhor direção para o cineasta pernambucano.
Em entrevista à Folha de Pernambuco [cuja sede serviu de locação para o filme], Kleber confirmou que a estreia de “O Agente Secreto” no Brasil será no Recife, no Cinema São Luiz, no segundo semestre deste ano. Além disso, o diretor falou sobre os bastidores do Festival de Cannes, cinema brasileiro e Oscar. Confira:
Já era esperado que “O Agente Secreto” levasse algum prêmio em Cannes. Mas foi uma surpresa para você ter acontecido da maneira como foi?
Para mim, foi uma surpresa total. Você espera que o filme seja bem-vindo, mas sabe que são 22 filmes [na competição] e um júri formado por pessoas do mundo inteiro. Então, a gente nunca sabe o que vai acontecer. Nós nos divertimos muito durante todo o tempo lá, e a coisa dos prêmios veio no final. Isso já está sendo muito bom, porque gera curiosidade e muita mídia. Eu quero que o filme seja bem visto internacionalmente e, principalmente, no Brasil.
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Qual foi o simbolismo de levar o frevo para o tapete vermelho na exibição do filme em Cannes?
O frevo é uma música muito poderosa. Esse já é meu segundo filme que traz uma ideia de imagem do carnaval. Eu fiz isso em “Retratos Fantasmas”, inclusive com os Guerreiros do o. Filmamos numa quinta-feira de 2023, na semana prévia do Carnaval, entre a Maciel Pinheiro e a rua da Imperatriz. Em “O Agente Secreto” tem outra sequência importante, filmada de outra maneira, também com os Guerreiros do o.
E aí surgiu a ideia, porque eu e a Emilie Lesclaux [produtora do filme] iramos muito o grupo. Eles são extremamente cinematográficos na maneira como se movimentam e em como revisitam o frevo, voltando uns 90 anos na nossa história e apresentando uma versão muito mais fiel à origem do ritmo. Acho totalmente hipnotizante.
[Levar os Guerreiros do o para Cannes] foi uma ideia que Emilie trouxe. Eu falei: “Uau, eu nunca imaginei. É incrível essa ideia, mas como é que isso vai funcionar?”. Ela conseguiu produzir com a ajuda da Empetur e da Embratur. Foi uma experiência incrível para todo mundo e deu uma repercussão incrível para o filme também.
E quais são os próximos os de “O Agente Secreto” após Cannes?
Há muitos festivais confirmados - alguns bem importantes -, mas eles não podem ser divulgados a esta altura. O filme já tem mais de 100 convites de festivais, mas também será distribuído em vários países, como Japão, Estados Unidos, Canadá, toda a América Latina, França, Bélgica, Alemanha, Portugal e Espanha. Inclusive, eu só descobri nas entrevistas, por causa de uma jornalista coreana, que ele estará na Coreia do Sul também. Nos Estados Unidos, está com a Neon, que é uma distribuidora muito forte, não só no prestígio, mas também na forma como ela promove o cinema na temporada de premiações.
Falando em premiações, há um burburinho nas redes sociais sobre uma possível indicação do filme para o Oscar. Como você lida com essa expectativa das pessoas?
Eu acho que o público brasileiro é muito incrível. Isso ficou muito claro com “Ainda Estou Aqui” e, inclusive, foi muito comentado em Cannes. Agora, a indicação [para concorrer ao Oscar como representante do Brasil] é uma decisão da Academia Brasileira de Cinema. Eu já ei por uma situação completamente absurda com “Aquarius” [em 2017], quando selecionaram outro filme que não tinha nenhuma credencial. Acho que a gente está em outro momento e não há nenhum motivo para esperar uma decisão estapafúrdia. Agora é a própria Academia que escolhe e não pessoas apontadas pelo Ministério da Cultura, que naquela época já havia sido extinto por um governo golpista.
O que as vitórias de “O Agente Secreto” em Cannes e de “Ainda Estou Aqui” no Oscar dizem sobre o cinema brasileiro?
Dizem que esse é um grande momento para o cinema brasileiro. Eu quero mais e mais. Espero que o próximo filme premiado esteja sendo montado agora, neste momento, em algum lugar do Brasil, porque a gente precisa continuar esse toque de bola. Em 2019, antes do governo anterior e da pandemia, a gente estava ando por um bom momento. Foi o ano que teve “Bacurau”, “A Vida Invisível” e “A Febre”. Recentemente, tivemos “Baby” ando em Cannes. É um período bem forte, e ele vai continuar se houver apoio aos novos realizadores e realizadoras. Eu lembro de um momento em que não eram feitos filmes em Pernambuco. Quando “Baile Perfumado” estreou, em 1996, foi o primeiro longa pernambucano em 18 anos. Hoje a gente tem uma situação muito saudável e invejável no Estado.
Já sabemos que a Perna Cabeluda está em “O Agente Secreto”. Qual é o papel dessa assombração recifense na trama?
Não vou falar, porque eu não vou dar spoiler do meu próprio filme. Posso dizer que eu sou fascinado pelas lendas urbanas, causos e fábulas populares. Fiz “O Vinil Verde”, que é uma fábula ucraniana, e também “A Menina do Algodão”, que é uma lenda urbana que eu ouvia quando era criança. Sempre quis filmar a Perna Cabeluda de alguma maneira, mas nunca achei exatamente o filme para fazer isso, até que, escrevendo o roteiro de “O Agente Secreto”, começou a fazer sentido trazê-la. É algo que faz parte da minha infância. Lembro da minha mãe lendo no jornal as últimas peripécias da Perna Cabeluda. É engraçado como isso tem sido tão comentado. A Perna Cabeluda é uma das estrelas do filme. Muito ingênuo eu, eu achava que isso seria uma grande surpresa quando o filme chegasse no Recife, mas todo mundo já está sabendo. Espero que não decepcione.
Você já confirmou que a primeira sessão do filme no Brasil será no Recife? Vai ser no Cinema São Luiz?
Sim, será no Cinema São Luiz, no Recife, no segundo semestre. A gente ainda não tem data, mas será anunciada assim que tiver. Meus outros filmes aram primeiro no Festival de Gramado, mas desta vez vamos estrear em Pernambuco.
Você fez uma visita recente ao prefeito do Recife, João Campos, e falou sobre a revitalização do Centro. Qual seria o papel do cinema neste sentido?
A revitalização do Centro de uma cidade precisa acontecer em várias frentes, não só com equipamentos de cultura. É preciso injetar energia, apoio ao comércio, fazer com que a região seja viável como moradia, trabalho e espaço de convívio, e aí sim, entram os teatros e cinemas. Recife é uma cidade privilegiada, porque temos duas salas espetaculares do século 20, de grande porte e que sobreviveram. Não são todas as cidades do mundo que têm uma, mas nós temos duas, que são o Teatro do Parque e o Cinema São Luiz. Todo mundo sabe o que acontece no Janela Internacional de Cinema, por exemplo, quando há mil pessoas dentro do cinema e mil fora, esperando entrar. E o que acontece quando acaba uma sessão? Você tem vida naquele entorno? Mas a cultura não pode ser a única defensora do Centro. Foi isso o que eu vi numa apresentação que João Campos fez. Tudo o que ele mostrou fazia sentido e, dando certo, será um divisor de águas.
A repercussão de “O Agente Secreto” em Cannes despertou na extrema direita a acusação de que o Brasil só faz “filme de ditadura”. O que você pensa dessa afirmação?
Não, “O Agente Secreto” não é um filme de ditadura, mas ele se a nos anos 1970, o que leva uma pessoa desse tipo a falar algo assim, mas aí eu posso perguntar a eles: "E ‘Bacurau’, ‘Aquarius’ e ‘O Som ao Redor’? São filmes de ditadura? E ‘Homem com H’, ‘Cidade de Deus’, ‘Propriedade’, ‘Cinema, Aspirinas e Urubus’? A gente pode fazer uma lista muito longa. Mas, dito isso, que sejam feitos muitos filmes sobre a história do Brasil, porque o nosso país tem um problema muito grave de memória. Toda vez que um filme fala do Brasil com propriedade, o brasileiro tende a entender melhor o Brasil. O meu filme se a em uma década bagunçada socialmente e democraticamente, por causa de um regime militar que trouxe muita coisa ruim ao Brasil. Então, ele é uma reconstituição histórica dessa época.