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Condenação de humorista a 8 anos de prisão gera polêmica

Juristas analisam caso e debatem conceitos como dolo e dosimetria: 'me parece exagerado'. Defesa do artista, que vai recorrer, apontou que sanção equivale a penas para homicídio e considera que condenação se equipara à censura

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Pela gravação em vídeo do espetáculo “Perturbador”, publicada no YouTube, o humorista Léo Lins recebeu, na terça-feira (3), uma condenação de oito anos e três meses de prisão. A sentença gerou polêmica, tanto entre humoristas quanto entre profissionais do Direito.

A 3ª Vara Criminal de São Paulo atendeu a um pedido do Ministério Público Federal, que havia entrado com ação contra o comediante em 2023. A sentença da juíza Barbara de Lima Iseppi inclui, além do encarceramento, a obrigação do pagamento de 1.170 salários mínimos, em valores da época da gravação, e a indenização de R$ 303,6 mil por danos morais coletivos. Diz a sentença, à qual o GLOBO teve o, que apresentações como a do comediante “estimulam a propagação de violência verbal na sociedade, fomentando a não aceitação das diferenças e a intolerância”.

A defesa do artista vai recorrer da decisão e considera que a condenação se equipara à censura. “Ver um humorista condenado a sanções equivalentes às aplicadas a crimes como tráfico de drogas, corrupção ou homicídio, por supostas piadas contadas em palco, causa-nos profunda preocupação”, destacaram, por meio de nota, os advogados que representam Léo.

Colegas do humorista se manifestaram com revolta por meio das redes sociais. “Todos que expressam uma opinião, seja no teatro, na poesia, na música, na ficção, no livro ou em forma de uma piada, todos podem ser criticados, questionados e até acionados em processos civis. Agora, o que não pode em hipótese alguma é serem presos ou alvos de censura”, protestou Danilo Gentili.

Caso é complexo
Juristas ouvidos pelo Globo falaram da complexidade do caso, já que não há uma regulamentação específica para contextos como este.

— O tipo de tratamento (com relação à pena) me parece exagerado. A situação do humorista é algo específico no Brasil, e me parece que não está regulamentada de maneira adequada. E por que isso é importante? O humorista, quando sobe num palco ou grava um programa, não está fazendo isso com a intenção, que é o que se chama “dolo”, a intenção do crime. E, sem estar provado o dolo, não há o crime. Então, é importante que se debata o quanto o humorista conta a piada com a intenção de discriminar e ofender ou não. Isso ainda não está resolvido na lei brasileira. E essa ausência de tratamento adequado permite uma pena como esta — pondera o advogado Gustavo Scandelari , especialista em Direito Penal e criminologia. — Sobre a pena, aliás, temos que lembrar das regras da dosimetria. Analisando a sentença, identifico alguns pontos que podem ser questionados em recursos: há momentos em que a juíza pune mais de uma vez pelo mesmo fato.

O advogado criminalista Rafael Paiva, professor de Direito Penal e Processo Penal, afirma que as falas de Léo Lins não podem ser consideradas discurso de ódio apesar de serem “piadas de mau gosto”.

— A gente pode pegar como discurso de ódio, por exemplo, o que Hitler fazia. Isso é um discurso de ódio — exemplifica.

O advogado Rafael Paiva considera também a sentença de oito anos exagerada, especialmente em comparação com penas para crimes como tráfico de drogas. Ele argumenta que a liberdade de expressão, embora não absoluta, tem maior flexibilidade em contextos como shows de comédia.

A professora Renata Furbino, mestre em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais, sublinha a falta de parâmetros sobre o caso:

— A grande questão é que não temos ainda uma jurisprudência consolidada sobre esse aspecto em relação ao humor. Talvez este seja um dos primeiros grandes casos no país. Por isso, suscita esta discussão sobre os limites e, principalmente, sobre o dolo. (Com G1)

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