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Uma Série de Coisas

“You” chega ao fim tentando reencontrar o que já perdeu

Série volta a Nova York e aposta em reviravoltas, mas confirma que o impacto ficou no ado

A quinta e última temporada de “You” (“Você”), lançada recentemente pela Netflix, tenta mais uma reinvenção para Joe Goldberg (Penn Badgley): agora de volta a Nova York, mais rico, mais cínico e mais fora da realidade. Mas não há disfarce que esconda o cansaço. O que antes foi um thriller psicológico afiado na primeira temporada, virou um looping sem fim de obsessões requentadas e mortes sem consequência.

Desde a terceira temporada, com a entrada de Love Quinn (interpretada pela ótima Victoria Pedretti), a série atingiu seu ápice narrativo. O que veio depois foi uma corrida em círculos, com novos cenários, personagens reciclados e um protagonista que não tinha mais o que se aprofundar. As últimas temporadas, incluindo a de encerramento, são menos sobre contar uma boa história e mais sobre cumprir tabela. 

O desgaste de “You” não é um caso isolado. É sintoma de uma estratégia maior, e cada vez mais questionável, da indústria televisiva como um todo. Em muitas das plataformas e canais, em vez de encerrar séries no auge, prefere mantê-las vivas até secar o que resta de audiência. Foi assim com “13 Reasons Why” e “La Casa de Papel” no streaming, ou “Supernatural” e “Pretty Little Liars”, no caso da TV aberta americana.

Enquanto isso, projetos interessantes são deixados de lado. A ironia é que “You”, lá atrás, tinha algo a dizer. Era uma boa crítica ao discurso fácil de “homem bom” em tempos de redes sociais, um estudo sobre como a obsessão pode se disfarçar de romantismo. Hoje, virou uma novela de luxo, mas sem o charme ou a coragem de assumir o próprio exagero, como faz “Beleza Fatal”, por exemplo. O que resta é um final protocolar, sem frescor, sem risco e sem surpresa.

Ainda que a última temporada tente oferecer um novo ângulo para Joe Goldberg, agora em meio a figuras poderosas e ambientes mais sofisticados, a série não consegue se livrar da sensação de déjà vu. As reviravoltas seguem uma lógica familiar, e mesmo as novas relações que se estabelecem ao longo dos episódios parecem versões recicladas de dinâmicas anteriores. 

A tentativa de elevar o personagem a uma espécie de anti-herói mais “refinado” perde força quando ele continua repetindo os mesmos padrões de comportamento que o tornaram previsível.

Há momentos de tensão bem conduzidos, é verdade, e a produção continua tecnicamente competente, com boa fotografia e ritmo narrativo. Mas falta densidade dramática. Os conflitos parecem existir mais como engrenagens de roteiro do que como parte de um arco emocional coerente. 

O espectador que acompanha Joe desde o início já entende suas contradições, seus impulsos e racionalizações, o problema é que a série insiste em reforçá-los sem oferecer novas camadas.

No fim, o maior desafio de “You” foi manter a relevância depois de ter contado sua melhor história logo na metade da caminhada. A despedida chega sem brilho. É um encerramento funcional, que conclui os principais fios narrativos, mas não chega a deixar saudade.

*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.

*A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas.

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