“Overcompensating” constrói um retrato sobre a performance como sobrevivência
Série capta o caos da juventude queer com carisma e exagero
“Overcompensating”, a nova série criada e estrelada por Benito Skinner, vem sendo bastante comentada pelo público. A produção une temas correlacionados de maneira leve e bem-sucedida: masculinidade, vergonha, juventude, performance social e sexualidade. Disponível no Prime Vídeo sob o título “Muito Esforçado”, o projeto tem ambição estética e emocional, e entrega algo mais próximo de esquetes em tom de drama e comédia.
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A série acompanha Benny (Benito Skinner), um ex-jogador de futebol americano e garoto-propaganda da heteronormatividade colegial, que entra na faculdade escondendo que é gay. Ele se envolve com Carmen (Wally Baram), uma colega tão perdida quanto ele, e com Miles (Rish Shah), o rapaz bonito que ocupa o papel previsível de interesse romântico com potencial de autoconhecimento. A premissa rende discussões interessantes sobre repressão e identidade com personagens emocionalmente desorganizados que soam, por vezes, performáticos.
Há uma tentativa clara de capturar o caos da juventude queer, com um leve tom de artificialidade. Mas aqui, essa característica não se torna um incômodo. O roteiro traz referências como Lady Gaga, Britney e My Chemical Romance, um recurso fácil para provocar identificação imediata. A estética exagerada funciona.
Estereótipo americano
O tom da série oscila entre sátira e melodrama, sem a necessidade de levar as coisas tão a sério. E quando tenta ser engraçada, muitas vezes também se torna constrangedora, o que é um mérito, quando intencional.
No entanto, um velho vício da televisão americana continua presente: atores com mais de 30 anos vivendo personagens que mal saíram do colégio. Benito Skinner, apesar de competente, não convence como alguém recém-saído do ensino médio. Esse artifício, além de cansado, compromete a imersão e reforça a ideia de que a juventude queer ainda é retratada como fantasia estética, e não como experiência real.
Apesar disso, o roteiro acerta quando evita a moral da história. Não há epifanias redentoras nem grandes lições finais. Os personagens erram, se machucam e seguem em frente. É um retrato honesto, ainda que estilizado, de como a vergonha molda comportamentos e de como a compensação vira mecanismo de sobrevivência.
Juventude x Autenticidade
As relações entre os personagens é o ponto forte da série, principalmente entre Benny e Carmen, interpretada muito bem por Wally Baram. Os secundários orbitam sem grande função, com exceção de Chelsea Holmes, que acaba se tornando uma das melhores fontes de comédia da narrativa, interpretando a colega de quarto de Carmen, Hailee.
Há, sim, momentos em que a série encontra alguma verdade, especialmente quando abandona o exagero e permite que o desconforto fale por si. “Overcompensating” parece não confiar no silêncio, no tempo ou na sutileza. Prefere a verborragia e o gesto dramático, como se quisesse provar o tempo todo que tem algo a dizer. Que crescer, especialmente sendo queer, é tentar caber onde não há espaço. É mentir sobre si mesmo até esquecer onde a mentira começou. É rir alto no meio do choro.
Esse excesso funciona como tradução visual da juventude que ela retrata: barulhenta, bagunçada, emocionalmente desorganizada. Há quem se identifique. Há quem se emocione. Mas há espaço também, e necessidade, para perguntar se uma série que fala sobre autenticidade precisava se esconder tanto atrás de estereótipos.
*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.
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