A semente e os frutos
A que serve a anistia? A uns, serve para pacificar. A outros, serve para se safar da ilegalidade
Quando se planta o respeito à lei, colhe-se democracia. Quando se planta o desrespeito à lei, colhe-se a ditadura. Neste 2025, celebramos 40 anos de regime democrático. Em 1985, assumia o poder um civil, José Sarney. Após 21 anos (1964-1985) de ditadura.
A história do Brasil é uma escritura civil. Pontuada por insurgências militares. A proclamação da República, em 15.11.1889, foi gesto do marechal Deodoro da Fonseca. A revolução dos tenentes, em 1930, foi um golpe militar. Entregue a um civil, Getúlio Vargas. Que ficou no Catete até 1945. Naquele ano, os mesmos militares que o botaram lá, o tiraram. Realizada a eleição, saiu vitorioso o general Eurico Dutra. Sucedido, em 1950, por Getúlio. Que se elegeu pelo voto popular.
Em 1954, Getúlio saiu da vida para entrar na história. E o país se preparou para outra eleição. O à época deputado Carlos Lacerda (UDN), apoiado por setores militares da Aeronáutica, disse: “Juscelino Kubitschek (PSD) não pode ser candidato. Se for, não pode ser eleito. Se for, não pode tomar posse. Se tomar, não pode governar”. Então, o general Henrique Teixeira Lott, legalista, deu o contragolpe. Botou os tanques na rua. E deu posse a JK. Que o nomeou ministro da Guerra.
Em 1961, eleito presidente, Jânio Quadros, seis meses após sentar na cadeira no Palácio do Planalto, renuncia. Os militares vetam a posse do vice-presidente, Jango Goulart. O deputado Tancredo Neves leva aos militares solução política: aprovação de emenda parlamentarista. Goulart assume como chefe de Estado. Ao lado do chefe do governo. Aprovado pelo Congresso Nacional.
Os golpistas de 1961 foram anistiados. Voltaram a conspirar. E deram o golpe em 1964. Depam Jango. Com os tanques na rua. E o general Castelo Branco no Planalto. Foi uma noite de 21 anos. Até a redemocratização. E o coroamento da distensão segura, lenta e gradual. Com a posse de Sarney, em 1985. Golpe, anistia, novo golpe.
Trata-se de ciclo. Fruto de uma cultura. Em que o Exército é tido, por fração minoritária da Força, como poder moderador. Espécie de tutor da nação. Ciclo que decorre de semente disfuncional: autoritarismo. Que, de tempos em tempos, dá fruto distorcido: ditadura. Isso acontece porque o Exército não produz internamente a cultura democrática. Introduzindo, nos currículos da formação militar, noções de democracia. E porque os governos, nos seus mandatos, toleram o descumprimento da lei. De várias formas. Uma delas é a anistia.
A que serve a anistia? A uns, serve para pacificar. A outros, serve para se safar da ilegalidade. A todos, serve um mau exemplo. Os eventos históricos estão aí. Em quase todas as décadas do século XX, 1920, 30, 40, 50, 60, 70, o Brasil sofreu sucessivas insurgências militares.
O que se ouve, agora, em 2025, é tentativa de anistia. Mas, o que se vê? Primeiro, ânimo de confrontar o Judiciário. Inclusive com mobilização de recursos de outro país. Para interferir na esfera de decisão soberana do Brasil. O argumento de pacificar não se sustenta. No contexto de obter benefícios de ordem política. No fundo, trata-se de tecer fios de revanche. Para reaver resultado de eleição perdida.
Em segundo lugar, anistia representa incentivo à prática de novo golpe. Estímulo à disseminação de práticas autoritárias. Porque seguidas de saídas anistiadas. Responsabilizar tentativa de golpe, por sua gravidade, não é só ato de justiça. É também justa e necessária defesa da democracia. Para que se saiba que há quem a defenda. Cobrando o devido preço institucional. Na ocorrência ilegal e imoral de deslealdade. Para com o regime democrático.